Subnotificação: mortes por síndrome respiratória aguda aumentaram mais de 1.500%

Subnotificação: mortes por síndrome respiratória aguda aumentaram mais de 1.500%

Consequência grave de alguns quadros virais, a síndrome indica que a covid-19 é mais agressiva do que se pensava.

Nara Lacerda – Brasil de Fato – SP – Entre os dias 16 de março e 08 de maio deste ano, os cartórios brasileiros registraram 3.307 mortes por síndrome respiratória aguda grave (SRAG). O número é mais de 1.500% superior ao observado no mesmo período do ano passado, quando 210 pessoas morreram por causa da SRAG no país. Uma das consequências mais agressivas da covid-19, a síndrome é causada por vírus e foi registrada pela primeira vez no mundo em 2002. Ela atinge a capacidade de funcionamento dos pulmões, causa dificuldades
 
Micrografia eletrônica de uma célula infectada com partículas do coronavírus. – NIAD/ Fotos Públicas.

O aumento acelerado de casos no Brasil vem sendo observado desde as primeiras semanas de contaminação comunitária no país e alerta especialistas. A leitura é de que o cenário está diretamente ligado ao coronavírus e aponta para subnotificação. Curiosamente, os registros de mortes por outras doenças respiratórias no período seguem estáveis. É o caso, por exemplo, dos dados relativos à pneumonia e à insuficiência respiratória. Os números ainda não estão consolidados, já que existe um limite de tempo legal para registros de morte por partes das famílias, dos médicos e dos cartórios. Ainda assim, não há indicativo de que haverá alta expressiva.

A explicação para isso pode estar em um dos aspectos mais cruéis da covid-19: a violência dos sintomas que acometem o corpo. Segundo o médico sanitarista José Gomes Temporão, ex-ministro da Saúde, as últimas evidências científicas estão mudando a percepção sobre a doença e ela é muito mais agressiva do que se imaginava.

“Os receptores através dos quais o vírus se liga na célula humana podem estar presentes no pulmão, no cérebro, no coração, nos rins, na pele e no intestino. Isso explica, por exemplo, porque muitos pacientes apresentem diarreias, sintomas cardíacos, sintomas no sistema nervoso central, como convulsão, rash cutâneo”, adverte.Então é uma doença muito mais complexa do que se imaginava no começo”, completa.

Segundo Temporão, “não se trata apenas de mais uma pneumonia. Os 5% dos pacientes que têm necessidade de internação são pacientes graves, que ficam de duas a três semanas internados. É esse fenômeno que coloca como central o isolamento social para reduzir a velocidade de circulação do vírus e não sobrecarregar o sistema de saúde,”alerta

Temporão observa que já há estimativas indicando que o Brasil tem até 15 vezes mais caso do que o registrado pelo governo. 

“Isso está acontecendo porque estamos realizando poucos testes. Os testes ainda dão muito falso negativo e ainda não dão a segurança da imunidade. Não vamos chegar nunca na condição de testar tanto quando Estados Unidos ou países da Europa. Mas podemos fazer estudos epidemiológicos dirigidos, que nos permitam ter uma percepção mais fina do padrão de circulação em determinados espaços geográficos e sociais. Isso vai ser fundamental para discutirmos lá na frente uma estratégia de volta ao normal. Que será um novo normal.”

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A especialista em Análises Clínicas, Ana Paula Melo Mariano, explica que a falta de testes potencializa a realidade da subnotificação e gera uma inconsistência nos dados. Em boa parte do Brasil, eles só estão sendo realizados em pacientes mais graves.

“Nós não estamos fazendo testes na quantidade satisfatória. O período de incubação do vírus é de cinco a seis dias, o agravamento ocorre do sexto ao décimo dia e as internações começam do décimo ao décimo quinto dia. Então, quando estamos testando, estamos olhando para o passado, estamos correndo atrás do passado. Quando na verdade precisaríamos ter o maior número de testes sendo executados no início.”

 Estamos correndo atrás do passado. Quando na verdade precisaríamos ter o maior número de testes sendo executados no início.

O matemático Paulo Angelo Alves Resende, pós-doutor pela Universidade de Brasília, afirma que a subnotificação é um processo normal, mas quando ela se refere também ao número de mortes, a preocupação aumenta.

“A detecção do vírus não é tão simples e é impossível ter 100% de acerto nos dados. Para aspectos de simulação, para você estimar a reprodução do vírus, se e a subnotificação for constante, dá para a gente trabalhar com os dados. Isso se houvesse um padrão na subnotificação, mas isso não está acontecendo. Agora, a subnotificação de óbitos é preocupante. A gente precisa que esse número seja mais confiável.”

Ana Paula e Paulo Angelo fazem parte do observatório PrEpidemia, uma iniciativa ligada à Universidade de Brasília, que acompanha o crescimento da pandemia do coronavírus e seus impactos por meio de modelagens  matemáticas e geográficas. A primeira nota técnica do grupo analisa as possibilidades de crescimento de casos no Distrito Federal em diferentes cenários de isolamento social.

No documento, os pesquisadores compilam 11 princípios estratégicos para o controle da propagação. Eles foram levantados de acordo com a realidade brasiliense, mas podem servir de inspiração para outras regiões, principalmente quando se observa o aspecto coletivo das recomendações. Entres os princípios estão, por exemplo, a transparência de dados, a participação social nas decisões, governança compartilhada entre cidades, acompanhamento psicológico da sociedade e a definição de protocolos padronizados para o tratamento (leia o documento na íntegra aqui).

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O isolamento salva

O professor e pesquisador do Departamento de Matemática Aplicada da Universidade Estadual de Campinas, Stefano de Leo, ressalta que os números de óbitos devem continuar aumentando, porque o Brasil ainda não chegou no pico da pandemia. O governo brasileiro estima que isso deve acontecer em até dois meses.

O professor se dedica a estudos dos dados da covid-19 e mantém uma página na internet com análises e comparações sobre números de diversos países. Ele ressalta que o real impacto da doença só poderá ser conhecido no futuro.

“Ter certeza dos danos da covid-19 não é possível com a pandemia andando. Será possível ter uma visão clara somente no ano que vem. O que podemos fazer agora é dar o alerta.”

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Stefano ressalta, no entanto, que mesmo com a subnotificação e a falta de informações mais completas,  ainda é possível conter danos mais expressivos e isso depende do isolamento social. Ele elogia os estados que determinaram a quarentena imediatamente após o início das transmissões comunitárias, com fechamento de escolas, universidades, comércio e estádios, mas ressalta que esse movimento precisa continuar.

“Se você não fizer o isolamento agora, depois vai chegar a quarentena militar. As próximas duas e três semanas são fundamentais. O papel fundamental será do povo. Este é um vírus que, se você erra, te pune de forma que você não merece. Por isso é muito importante alertar, mas também compreender. Porque tem uma parte pobre da população que vai trabalhar, tem uma parte pobre que tem quatro filhos e mora num quarto. A parte rica tem uma casa com cinco quartos. É muito importante não discriminar e entender que todo mundo, de sua forma, tem que contribuir.”

 Este é um vírus que se você erra, te pune de forma que você não merece.

Os dados sobre óbitos por causas respiratórias e pela covid-19 estão disponíveis no Portal da Transparência do Registro Civil. Administrada pela Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen- Brasil), a página é aberta e livre para toda a população e traz atualizações diárias dos registros de todos os estados brasileiros.

Edição: Luiza Mançano

 

 

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