Promotor de Justiça do Estado de Goiás critica em artigo a decisão do presidente Jair Bolsonaro (PSL) de fechar a Rádio MEC, a primeira do Brasil fundada por Roque Pinto, um dos mais importantes homens de comunicação pública nascidos do País.
Os idiotas da objetividade
Paulo Brondi

Em sua descrição no site, consta que “A programação é totalmente voltada para a difusão da cultura brasileira. Contempla toda a diversidade da música brasileira, de gêneros como o choro, a música regional, a música instrumental e de concerto. Tem ainda programas dedicados à literatura, cinema, dramaturgia e as artes como um todo”.
Para o governo de plantão, porém, trata-se de coisa obsoleta, a consumir demasiado o erário.
Não sei por que, mas ao ler a notícia me veio à memória uma discussão que, anos atrás, em época de Copa do Mundo, vinha sempre à tona: jogar bonito ou vencer?
Era sempre um tema travado por duas facções: uma a sustentar que o futebol brasileiro não deveria abandonar suas raízes, do futebol bem jogado, dos lances de efeito, da alegria; outra, a de que o importante era mesmo e tão somente o resultado final.
Esta última corrente sempre se fiou à “Tragédia do Sarriá”, quando, em 1982, a seleção canarinho, apesar do jogo vistoso, terminou derrotada por uma Itália quase combalida, pragmática, que acabaria campeã do certame naquele ano. Nosso técnico era Telê Santana, e o quadro contava craques como Zico, Cerezo, Falcão, Sócrates.
A derrota foi um divisor de águas: nos anos seguintes, o discurso oficial era o de que de nada adiantava jogar bonito, mas perder. Lazaroni, Parreira, Scolari, Dunga e outros, ganhadores e vencedores, espezinhavam a não mais poder a lenda urbana do “jogar bonito”, adeptos que eram do “futebol de resultados”.
O reducionismo mequetrefe limitou tal discussão ao simples “jogar bonito ou vencer”, como se fosse disso que se tratava. Ora, ninguém é tolo de pregar que se deve jogar “bonito”, apenas, não importando a vitória ou a derrota. Telê, que viveu até o fim de sua vida envolto nessa polêmica, nunca abdicou da vitória. Aliás, anos depois levou o onze tricolor paulista às máximas conquistas nacionais e mundiais desfilando um futebol vistoso, elegante, nada pragmático. O Mestre sempre, sim, assinalou que era o jogador brasileiro quem detinha todas as condições para jogar bonito e vencer.
Bem, se o Zico não ganhou uma Copa do Mundo, azar da Copa do Mundo (Fernando Calazans).
Mas os idiotas da objetividade, talvez por não entenderem a lição, talvez por não poderem aplicá-la, reduziam tudo àquela (falsa) dicotomia. Ou claro, ou escuro.
A arte, incluindo o futebol, é um fim em si mesma. Não há que se esperar dela uma utilidade material imediata. “O que isso acrescenta em sua vida?” é um pergunta inoportuna. A arte é útil por si só, em muitos aspectos, sobretudo ao bem-estar da consciência. Baumann dizia que “a sabedoria não envelhece”. A arte também não. Numa era em que as grandes ideias perdem credibilidade, ela se torna mais e mais imprescindível. Viver sem arte é morrer um pouco a cada minuto.
A arte de cantar, de tocar um instrumento, de cozinhar, de fazer poesia, de dançar, enfim, a arte em qualquer das suas modalidades personifica o momento em que a mente se descola da bruta realidade para dar vivas cores ao que a criatividade nos determina, ali, naquele exato instante. Razão se dê a Marcel Duchamp (pintor, escultor e poeta francês), para quem “a arte pode ser ruim, boa ou indiferente, mas qualquer que seja o adjetivo empregado, temos que chama-la de arte. A arte ruim é arte, do mesmo modo como uma emoção ruim é emoção”.
Os beócios temem a cultura (ou a arte), de modo geral, pois nela está a gênese de uma intellegentsia que os amedronta, porque símbolo de contestação à ignorância, à vulgaridade, à indigência mental que guiam seu proceder em todos momentos, em qualquer lugar.
Nosso mandatário maior, referindo-se à recente morte do gênio João Gilberto, inventor da bossa-nova, limitou-se a dizer que se tratava “de uma pessoa conhecida” – mostrou apreço maior ao respeitável ‘MC Reaça’. Somem-se a tal mostra de desprezo os disparates da choldra que tomou de assalto o poder central contra a classe artística – a salvo, claro, aquela fração fascistóide que vê na arte a fresta para exteriorizar suas afetações.
Essa turma, complexada, é obtusa nas atitudes, nas palavras e nos pensamentos. Vivem para que, afinal?
Millôr Fernandes escreveu que “todo tempo de grande opressão é tempo de grandes sutilezas”.
Num tempo sem delicadezas, de gente cinza e de ideias banais, amar a arte é um ato revolucionário, e defende-la é dever que se espraia à alma e impõe-se ao espírito.”
Paulo Brondi, promotor de justiça do Ministério Público de Goiás