A política externa ideológica de ultra-direita, alinhada sabujamente com o pensamento do presidente norte-americano Donald Trump, pode trazer prejuízos imensos à economia brasileira. O alerta tem sido feito por economistas e especialistas em relações internacionais, como o ex-Chanceler Celso Amorin, e jornalistas de economia, como Luiz Nassif (Jornal GGN) e Miriam Leitão (O Globo). O Brasil, que tem um saldo de US$ 8 bilhões de dólares no comércio de produtos do agronegócio com o Irã, pode sofrer sérias retaliações deste país e de seus aliados no mundo árabe.
Na sua coluna no jornal O Globo, a jornalista Miriam Leitão avalia que a economia brasileira pode perder um mercado bilionário com a sua nova política externa, que atende aos interesses de Estados Unidos e Israel – e não mais do Brasil. “O Brasil exportou no ano passado US$ 2 bilhões para o Irã, e o país é considerado um mercado importante para o agronegócio brasileiro”, lembra ela em sua coluna.
Editorial do próprio Globo, condena o alinhamento automático do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e do Chanceler Ernesto Araújo aos Estados Unidos. “Da mesma forma que atuam outras áreas do governo sob forte influência ideológica extremista, o Itamaraty do chanceler Ernesto Araújo reagiu de maneira desequilibrada ao ataque americano que matou nas imediações do aeroporto de Bagdá o general iraniano Qassem Soleimani, o segundo homem forte da teocracia persa, abaixo do aiatolá Ali Khamenei. Sem nenhum dos cuidados que a diplomacia brasileira costumava ter ao se posicionar sobre conflitos no Oriente Médio, Araújo avalizou a operação autorizada pelo presidente Trump”, diz o texto.
“Criticado por ex-embaixadores, o Itamaraty, alinhando-se a Trump, levou o Brasil a passar a considerar terrorista a Guarda Revolucionária persa, comandada por Soleimani. Até a chegada de Bolsonaro ao Planalto, o país qualificava como tal apenas a al-Qaeda e o Estado Islâmico, conforme entendem as Nações Unidas. Esta é mais uma demonstração de que a nova diplomacia brasileira imita a Casa Branca, negando legitimidade aos fóruns do multilaterialismo, como a ONU. Fez o mesmo ao prometer seguir Trump e transferir a embaixada brasileira em Israel de Tel Aviv para Jerusalém, o que significa desconhecer direitos palestinos”, lembra o editorial.
“O Brasil, antes de tudo, precisa preservar seus interesses, que não podem ser deste ou daquele governo. O de Bolsonaro apoia uma ação que torna o Oriente Médio mais perigoso e, por consequência, o mundo, devido à importância da região no suprimento mundial de petróleo. Não servem ao Brasil choques que abalem mercados”, afirma ainda o editorialista. “Não é jogo para o Brasil entrar. Precisa é se preocupar, por exemplo, com os bilhões de dólares que obtém com as vendas do agronegócio para países islâmicos. Só com o Irã, acumula um saldo de US$ 2 bilhões”, adverte o editorial.
Luis Nassif no seu Jornal GGN, traz números ainda mais robustos, e ressalta que a balança comercial é favorável ao Brasil em 8 bilhões de dólares, em produtos como soja, onde o Irã é o quinto maior comprador externo do país, totalizando US$ 545 milhões em importações em 2019. O Irã é simplismente o maior importador de milho do Brasil com US$ 940,1 bilhões em 2019 e US$ 996 bilhões em 2018. Os persas são o sexto maior comprador de carne bovina congelada (US$ 214 milhões) e o sétimo em farelo de soja (US$ 265 milhões).
Produto | Coloca | Até nov 2019 | Até nov 2018 |
Soja | 5º | 545.030.716 | 511.283.027 |
Milho em grão | 1º | 940.119.034 | 996.327.183 |
Carne bovina congelada | 6º | 214.077.002 | 303.800.117 |
Farelo de soja | 7º | 265.006.939 | 198.377.200 |
Miriam Leitão reforça a análise de Nassif:
“Os analistas consideram que as palavras do governo Bolsonaro de alinhamento com Israel e agora essa posição do Itamaraty podem acabar afetando o comércio. Do que nós vendemos, 44% é milho, o principal produto da pauta de importação do Irã. Foram US$ 940 milhões de janeiro a novembro. O segundo, que representa 39%, é a soja, o terceiro item de importação do país. E 10% é carne bovina congelada. E depois é cana de açúcar”, afirma ainda a jornalista.
Segundo a jornalista do Globo, “tudo é complexo demais para se tomar decisões com base em ideologia ou alinhamento automático com os Estados Unidos no meio de uma escalada imprevisível. De novo, faltou cautela à política externa de Bolsonaro”, ressalta.
Em entrevista ao jornal Correio Braziliense, Welber Barral, ex-secretário de Comércio Exterior do Brasil entre 2007 e 2011 e sócio da BMJ Consultores Associados, lembrou que o Brasil é o maior exportador global de carnes halal, que têm uma técnica de abate específica, monitorada, para ser consumida por muçulmanos. Contudo, os dados oficiais não mostram o verdadeiro volume comprado pelos iranianos. Conforme dados do Ministério da Economia, o Irã é o 23º destino das exportações nacionais, comprando uma pequena parcela dos US$ 224 bilhões comercializados pelo Brasil com o resto do mundo em 2019.
O Irã chegou a ser o maior importador de carne bovina do Brasil mas, por conta das sanções dos Estados Unidos, os produtos brasileiros não seguem diretamente para lá e acabam indo via algum país que não obedece às sanções norte-americanas”, destaca o especialista em relações internacionais.
Reação
O Irã convocou representante da embaixada brasileira após nota do Itamaraty. No comunicado, o ministério de Relações Exteriores brasileiro alega que está pronto para somar esforços na “luta contra o terrorismo”, num claro apoio ao atentando norte-americano que vitimou o general iraniano Qassem Soleimani.
No comunicado publicado na última sexta-feira (3), o Ministério de Relações Exteriores do Brasil alega defender “o combate ao terrorismo”, mas sem comentar diretamente sobre o assassinato do general iraniano. “Ao tomar conhecimento das ações conduzidas pelos EUA nos últimos dias no Iraque, o Governo brasileiro manifesta seu apoio à luta contra o flagelo do terrorismo e reitera que essa luta requer a cooperação de toda a comunidade internacional sem que se busque qualquer justificativa ou relativização para o terrorismo”, dizia a mensagem.
No texto, o governo brasileiro acescenta que está pronto para somar esforços na “luta contra o terrorismo”. “O Brasil está igualmente pronto a participar de esforços internacionais que contribuam para evitar uma escalada de conflitos neste momento”, escreveu o Itamaraty. No entanto, o assessor internacional Reza Marashi, diretor de pesquisas do Conselho Nacional Iraniano Americano, disse que os assessores de Trump viam o assassinato do general iraniano Qassem Soleimani como uma espécie de vingança pelos seguidos fracassos de seus projetos para a região.
Com informações dos jornais O Globo, GGN, Correio Braziliense e Revista Fórum