DCM: "Itália e Portugal comemoram hoje o fim da ditadura nestes países, no Brasil, presidente quer celebrar o autoritarismo"

DCM: "Itália e Portugal comemoram hoje o fim da ditadura nestes países, no Brasil, presidente quer celebrar o autoritarismo"

Matéria no site DCM (Diário do Centro do Mundo), observa que a data de hoje, 25 de abril,  marca o fim de duas ditaduras na Europa. Na Itália e em Portugal. A lembrança e comemoração da data revelam a enorme diferença que ainda há entre aqueles dois países e o Brasil no que se refere ao tema. Site Sputinik Brasil conversa com lideranças que estiveram à frente da Revolução dos Cravos em Portugal.

Conforme registra a matéria do DCM, hoje em Portugal celebra-se os 45 anos da Revolução dos Cravos, que pôs fim na ditadura imposta pelo “Estado Novo” de Salazar (são curiosos esses movimentos batizados com ‘novo’ ou ‘nova’, quando surgem pode crer que vem coisa bem velha e antiquada).

Em Portugal é feriado no país todo e neste ano haverá ainda a inauguração de um memorial em homenagem aos presos políticos. O local era um presídio durante os anos do regime autoritário. Fica a pouco mais de 100 km de Lisboa e tornou-se símbolo da repressão.

Um painel será instalado com os nomes de todos os 2.510 opositores ao regime fascista que ali ficaram detidos e ainda haverá uma exposição intitulada “Por teu livre pensamento”, com memórias da ditadura portuguesa.

Manifestações ocorrem todos os anos por todo o país e para o ano que vem está prevista a criação do Museu Nacional da Resistência e da Liberdade.

Na Itália, o 25 de Abril é dia oficial da libertação das garras do nazi-fascismo de Mussolini e Hitler, feriado nacional, com festejos e atos dedicados a não permitir que a memória seja enevoada.

Ainda que boa parte da população mundial tenha uma visão formada pela narrativa que situa o exército americano como o herói que expulsou o vilão, italianos sabem que em várias regiões a libertação se deu pelas mãos de civis que pegaram em armas e venceram as tropas nazi-fascistas.

Sobretudo no norte, onde durante vinte meses as batalhas foram cruéis entre pelotões fortemente armados contra jovens de pistola em punho que rejeitavam o governo fantoche de Mussolini e sua fictícia República de Saló.

Os exércitos dos Aliados muitas vezes chegaram bem depois de partigianos da resistência já terem libertado as cidades ao custo de fome, frio, sangue e muitas vidas.

“Se quiserem andar pelos lugares onde nasceu nossa Constituição, devem ir às montanhas onde morreram partigianos, devem ir nos cárceres onde foram aprisionados, nos campos onde foram assassinados”, disse Piero Calamandrei em seu discurso de janeiro de 1955.

Essa é a enorme distância que existe hoje em dia entre o Brasil e duas nações que aprenderam com os erros. Uma distância bem maior que o Atlântico.

Enquanto locais marcados pela repressão tornam-se memoriais, por aqui o Doi-Codi até hoje é uma delegacia.

Enquanto lá comemoram-se as datas de libertação, por aqui há uma turma querendo celebrar a data de enclausuramento da democracia que por mais de 20 anos sofreu torturas e deixou desaparecidos e famílias destroçadas.

Sim, é certo que na Itália de Matteo Salvini a extrema direita anda colocando as asinhas de fora e torcendo o nariz para as comemorações do 25 de abril. Isso causou o cancelamento das festividades em algumas pequenas cidades por precaução a conflitos.

Mas nem um radical como Salvini se atreve a elogiar o nazismo ou o fascismo nem seria imbecil suficientemente para vociferar “Viva il Dulce” no microfone do Congresso.

Em Portugal, capitães retornaram país à democracia

O site russo de notícias Sputinik, também fez uma matéria especial sobre a revolução dos Cravos, que neste ano comemora 35 anos. A reportagem conta a história da revolução através de um de seus líderes, o capitão Delgado Fonseca. Na noite do dia 24 de abril de 45 anos atrás, o capitão Delgado Fonseca ouviu pelo rádio a canção “E Depois do Adeus”. Era o primeiro sinal para que as tropas ficassem a postos. “Na época, eu era diretor do curso de operações especiais em Lamego. Quando saiu a senha da revolução, às 11 da noite, neutralizei o comandante e marchei para o Porto com uma companhia reforçada com armas pesadas. Chegamos lá às seis da manhã”, conta o ex-militar à Sputnik Brasil.

Também em 1974, Portugal estava no seu 48º ano seguido sob o comando de um governo ditatorial.

“O que aconteceu nesse dia 25 de abril é que cai a ditadura que se iniciou primeiro como ditadura militar em 1926, transforma-se numa ditadura civil em 1930 e desde aí vivíamos em ditadura até o dia em que um movimento de capitães decide tentar derrubar o regime e consegue fazê-lo com sucesso, conduzindo à saída do ditador, que era formalmente o primeiro-ministro. Ele sai do país e abandona o poder e, portanto, é uma transição à democracia relativamente pacífica, embora de caráter de ruptura revolucionária”, explica à Sputnik Brasil Filipa Raimundo, pesquisadora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.

Portugal vivenciava a era das guerras coloniais. “Havia corpos militares em todas as colônias portuguesas, mas os palcos de guerra mais importantes e com mais soldados eram a Guiné-Bissau, Angola e Moçambique, com mais confronto direto. Mas havia militares em Cabo Verde, em São Tomé, Macau, Timor. Portugal tinha um império enorme na época”, conta à Sputnik Brasil o historiador Luís Farinha.

Os movimentos independentistas eram contidos com o envio de centenas de militares de Portugal para as colônias ao longo de anos. As tensões crescentes nos locais de maior conflito deram origem ao Movimento das Forças Armadas — MFA, em 1973, formado em sua maioria por capitães que buscavam o fim dos confrontos. “Foi uma consequência natural das guerras, que estavam perdidas”, lembra o ex-capitão Delgado Fonseca, que chegou a comandar 600 homens em Angola. “Estávamos à beira de uma derrota geral nas colônias e nem os generais nem o poder político arranjavam solução para aquilo, se recusavam. Tivemos que ser nós, os jovens comandantes”, complementa.

“Ao fim de 13 anos de guerras coloniais, chegou-se à conclusão que só havia uma solução política e, portanto, fizeram um golpe militar para derrubar o regime e para alterar a situação política que era inevitável”, explica o historiador Luís Farinha.

25 de abril de 1974

Depois de uma primeira tentativa frustrada, no mês de março, as lideranças do MFA conseguiram por em prática um plano bem coordenado por todo o país, começando no fim da tarde do dia 24 de abril. “A operação militar foi simples e todos reagiram bem dentro de uma estrutura nacional. Todo mundo se mexeu na mesma hora. Foi um golpe militar simples, barato e fácil”, conta o ex-capitão Delgado Fonseca.

As ações consistiam em deter comandantes e ocupar quartéis e outras instalações ligadas ao regime ditatorial, como as sedes da PIDE, órgãos de censura e da imprensa partidária. Também foram ocupadas sedes de rádios, televisão e o aeroporto.

Antes do amanhecer do dia 25, os objetivos estavam alcançados. O governo tentou reagir, mas os oficiais se recusaram a lutar contra o movimento. “Foi uma revolução muito curiosa, porque o povo estava muito atrasado politicamente. As forças políticas que existiam estavam clandestinas, que era o Partido Comunista Português, e mais nada. O Partido Socialista tinha acabado de se formar na Alemanha e só tinham quadros fora. Aqui havia o partido do poder, de forma que foi realmente o povo na rua que mexeu as coisas. O bonito começou quando a população se integrou e começou a revolução a sério”, lembra o ex-capitão Delgado Fonseca.

45 anos depois

Com a saída de Marcelo Caetano, o governo foi entregue à Junta de Salvação Nacional, que faria a transição de volta à democracia. “Mantivemos as portas da liberdade abertas para o povo se expressar. Tínhamos um programa logo de entrada que era muito claro: descolonizar, acabar com a guerra e substituir tudo o que era poder político”, conta o ex-capitão Delgado Fonseca. “Estava prevista a criação de uma constituição dentro de um ano, o que aconteceu. Depois houve eleições em 76 e o regime foi-se institucionalizando. Os partidos políticos, ainda fracos, quiseram que os militares ficassem no conselho da revolução ainda a trabalhar. Ficaram ainda seis anos”, finaliza.

Com o fim da ditadura, também se extinguem os órgãos de punição e censura, sindicatos são legalizados, líderes de oposição retornam do exílio e presos políticos são soltos.

 

“Em Portugal, o que se passa é um processo de ajuste de contas imediato, que implica julgamentos dos membros da polícia política, afastamento do serviço público de pessoas que eram consideradas aliadas do regime. São retirados os direitos políticos também a uma série de pessoas que participaram do funcionamento do regime. É uma abordagem muito diferente daquela que se passou no Brasil”, analisa a pesquisadora Filipa Raimundo.

Para a pesquisadora, as diferentes experiências na forma de punição dos envolvidos nos regimes ditatoriais em Portugal e no Brasil podem ser analisadas sob uma nova perspectiva acadêmica.

 

“Quando se olha agora para a situação do Brasil, em que há questionamento sobre se, de fato, houve ditadura, que é forte, liderado inclusive pelo atual presidente, regressamos a este debate sobre em que medida é que a ausência de legitimação do regime autoritário e a dimensão da justiça contribuem para isso. O fato de haver um processo de ajuste de contas com medidas punitivas direcionadas contra aqueles que cometem crimes durante uma ditadura ajuda a deslegitimar esse regime e deixar perante a opinião pública clara a ideia de que há um contraste significativo entre o que é uma democracia, o que é uma ditadura, e que a democracia não tolera esse tipo de crimes”, finaliza.

Deixe um comentário

Enviar Comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *