“Goste eu pessoalmente ou não, esta é a escolha político-civilizatória manifestada pelo poder constituinte, e não reconhecê-la importa, com a devida vênia, reescrever a Constituição para que ela espelhe o que gostaríamos que dissesse, em vez de observarmos”.

Em voto de quase duas horas de duração, Rosa afirmou várias vezes que a culpa de uma pessoa só pode ser formada após o trânsito em julgado — o esgotamento de todos os recursos na Justiça. Por consequência, para a ministra, só depois disso poderia ser punida.
“Não se tratando de prisão de natureza cautelar, o fundamento da prisão pena será a formação do que chamamos de culpa. E segundo a norma expressa da Constituição, essa convicção somente pode irradiar efeitos normativos a partir do momento definido como trânsito em julgado. Gostemos ou não”, disse.
Segundo Rosa, ela não mudou seu entendimento sobre a prisão em segunda instância desde 2016, quando votou pela execução da pena somente após o trânsito em julgado.
“Minha leitura constitucional sempre foi e continua a ser exatamente a mesma”, afirmou. “Estou sendo coerente com minha compreensão com o tema de fundo”, disse depois.
A ministra explicou ainda que, no ano passado, só negou um Habeas Corpus ao ex-presidente Lula por respeito à maioria à época formada em favor da prisão em segunda instância.
Rosa seguiu o entendimento do relator, ministro Marco Aurélio, que votou pela autorização da execução da pena só após o trânsito em julgado do processo.
Rosa lembrou também que concedeu 66 decisões individuais autorizando a prisão após segunda instância para depois seguir o entendimento consolidado do STF, “sem jamais ter deixado de salientar que a jurisdição objetiva, caso das presentes ADCs, é o local da cognição plena”.
“O constituinte de 1988, não só por consagrar expressamente a presunção de inocência como a fazê-lo com a fixação de marco temporal expresso. Ao definir com todas as letras, queiramos ou não, como termo final da garantia da presunção da inocência, o trânsito em julgado da decisão condenatória”, disse.
Entretanto, segundo a ministra, tal garantia, nos moldes em que dimensionada pelo constituinte, não encontra paralelismo em nenhum dos textos constitucionais regentes no estado brasileiro anteriormente.
“Poderia o constituinte de 1988 ter se limitado a reproduzir a fórmula de que ninguém seria preso sem culpa formada”, disse.
O Plenário do STF voltou a discutir, ontem, quinta-feira (24/10), as ações declaratórias de constitucionalidade sobre a execução antecipada da pena. A ministra foi a primeira a votar.
Os 11 ministros da Corte vão decidir se mantêm o atual entendimento jurídico de que o réu pode ser preso após condenações em segunda instância.
Poesia
“À espera dos bárbaros”, o lindo poema que Rosa Weber citou em seu voto num recado ao bolsonarismo e ao lavajatismo
Durante seu voto contra a prisão após condenação na segunda instância, Rosa Weber citou de Shakespeare a Angela Davis, passando por Voltaire e terminou com o poeta grego Konstantinos Kaváfis.
“À espera dos bárbaros” é considerado por muitos críticos como um dos mais belos poemas de todos os tempos.
Homossexual, helenista, Kaváfis era um nostálgico de um mundo clássico idealizado. Nasceu, viveu e morreu aos 70 anos em Alexandria, no Egito.
Rosa deu um recado para Bolsonaro, Barroso, Moro, o bolsonarismo e o lavajatismo.
Abaixo, na tradução de José Paulo Paes (meu professor na Cásper Líbero por um breve período):
À Espera dos Bárbaros
O que esperamos na ágora reunidos?
É que os bárbaros chegam hoje.
Por que tanta apatia no senado?
Os senadores não legislam mais?
É que os bárbaros chegam hoje.
Que leis hão de fazer os senadores?
Os bárbaros que chegam as farão.
Por que o imperador se ergueu tão cedo
e de coroa solene se assentou
em seu trono, à porta magna da cidade?
É que os bárbaros chegam hoje.
O nosso imperador conta saudar
o chefe deles. Tem pronto para dar-lhe
um pergaminho no qual estão escritos,
muitos nomes e títulos.
Por que hoje os dois cônsules e os pretores
usam togas de púrpura, bordadas,
e pulseiras com grandes ametistas
e anéis com tais brilhantes e esmeraldas?
Por que hoje empunham bastões tão preciosos
de ouro e prata finamente cravejados?
É que os bárbaros chegam hoje,
tais coisas os deslumbram.
Por que não vêm os dignos oradores
derramar o seu verbo como sempre?
É que os bárbaros chegam hoje
e aborrecem arengas, eloqüências.
Por que subitamente esta inquietude?
(Que seriedade nas fisionomias!)
Por que tão rápido as ruas se esvaziam
e todos voltam para casa preocupados?
Porque é já noite, os bárbaros não vêm
e gente recém-chegada das fronteiras
diz que não há mais bárbaros.
Sem bárbaros o que será de nós?
Ah! eles eram uma solução.
Clique aqui para ler o voto da ministra.
ADCs 43, 44 e 54
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