A reunião contraria as recomendações de autoridades como a Organização Mundial da Saúde (OMS), das Nações Unidas.
O Brasil tem hoje a maior taxa de contágio do mundo. Em média, cada infectado transmite o vírus para 2,8 pessoas, segundo um estudo de 48 países conduzido pelo Imperial College de Londres. Some-se a esse dado alarmante a falta de testes em massa e as subnotificações, não é difícil prever o estrago caso um dos convidados do churrasco carregue o vírus sem saber. Enquanto Bolsonaro confraterniza com sua equipe e amigos, o Brasil pode chegar a 10 mil mortes em decorrência do coronavírus neste final de semana.
Com a trágica marca de mais de 141 mil casos e 9,6 mil óbitos, somos o terceiro país a registrar mais mortes por dia. Milhares de vidas que poderiam ter sido salvas se o governo federal tivesse se preparado e apresentado um plano de ação emergencial.
“Eu não queria ficar falando mal toda hora do governo”, afirma o ex-presidente Luiz Inacio Lula da Silva. “Mas é insuportável ver a insensibilidade com a vida das pessoas”, lamenta o petista. “Nós não temos um presidente. O Bolsonaro faz tão mal para o Brasil quanto o coronavírus”.
Dando de ombros, o presidente mantém-se firme à cruzada contra a ciência, “argumentando” que um relaxamento da quarentena salvará a economia e, por consequência, os empregos da população. Na prática, no entanto, tudo o que o atual ocupante do Palácio do Planalto faz é brincar com a vida dos brasileiros.
Toda vez que Bolsonaro discursa em uma manifestação, em cada momento que aparece em um lugar público, move-se mais uma peça de um jogo cruelmente mortal. Na tenebrosa versão de uma espécie de roleta russa em massa, poucos privilegiados têm a chance de não jogar.

Átila Imarino: “Os 0,7% desses 149 milhões de pessoas irão morrer por Covid-19, o que, por baixo, dá um milhão de pessoas”. Foto: Reprodução/Youtube.
Imunidade de rebanho
Em transmissão feita domingo (3) pelo YouTube, o doutor em microbiologia Átila Iamarino, desmonta a tese da contaminação em massa como arma para vencer a pandemia. Pela teoria, após 70% da população contrair o Covid-19, a doença entraria em declínio, uma vez que seria formada a chamada ‘imunidade de rebanho’. Ou seja, novos doentes teriam contato apenas com pessoas imunes à ação do vírus. Pelas evidências, a ciência indica que esse é um caminho perigoso.
“Não temos nenhuma comprovação de que isso funciona para o coronavírus”, sustenta Iamarino. “Temos evidências de que as pessoas que pegam a doença não se infectam de novo mas não sabemos por quanto tempo elas ficam protegidas”, argumenta ele. O especialista cita o exemplo de Nova York, que aplicou testes em massa em uma das regiões mais atingidas pela pandemia, e chegou a uma taxa de letalidade de 0,85% do Covid-19.
Se a tese da imunidade de rebanho for aplicada no Brasil, 70% ou 149 milhões de pessoas serão infectados, calcula o cientista. Num cenário “otimista”, com uma taxa de letalidade de infecção baixa, de 0,7%, ele traça um cenário desolador: “Os 0,7% desses 149 milhões de pessoas irão morrer por Covid-19, o que, por baixo, dá 1 milhão de pessoas”. Iamarino alerta ainda que não há evidências ou provas de que o teto da propagação do vírus estancaria de fato em 70%.
Os pesquisadores de Nova York chegaram a números mais fidedignos graças à confiabilidade dos testes em massa. A cidade tem hoje uma taxa de letalidade de 0,6% no cenário mais otimista, levando-se em conta apenas mortes confirmadas por Covid-19. Até 30 de abril, portanto, 2,1 milhões de casos resultaram em 12,5 mil mortes. “Isso é, no mínimo, 15 vezes pior do que a gripe, na estimativa mais baixa que eles têm para a letalidade do vírus”, compara Iamarino. O cenário mais realista, que leva em consideração os 5,2 mil mortos por Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG), provavelmente vítimas da Covid-19, aponta para uma taxa de mortalidade em torno de 0,85%.
O cientista ressalta que a taxa de letalidade de um milhão de pessoas poderia ocorrer mesmo no caso de o sistema de saúde não entrar em colapso. Se o Brasil atingir o ponto de colapso geral e as pessoas deixarem de ter atendimento, como já vem ocorrendo, essa mortalidade aumentará consideravalmente, aponta Iamarino.
“Quem supõe que essa situação é normal e podemos seguir tocando a vida porque 70% dos brasileiros vão pegar [o coronavírus] e está tudo bem, está achando normal que a gente perca esse tanto de vidas. É isso que temos para ver pela frente”, adverte.

A tese do “imunidade de rebanho”, defendida por Bolsonaro, pode levar 1 milhão de brasileiros à morte. Foto: Bruno Kelly.
Controle do pico da doença
A experiência mostra que controlar o pico da doença é fundamental para evitar mais mortes até o surgimento de uma vacina eficaz contra o coronavírus. Iamarino faz uma comparação entre Brasil e Austrália, que em março apresentavam uma curva semelhante de evolução da pandemia. A Austrália adotou quarentena cedo, testou a população e impôs regras de distanciamento social que foram levadas à risca. “Agora, eles podem discutir reabrir a economia”, afirma, lembrando, no entanto, que uma reabertura desordenada pode provocar um novo pico, caso de Singapura.
No caso do Brasil, a atual tendência de alta dos casos só reforça a necessidade de quarentena, não a de relaxamento, como martela Bolsonaro. O pesquisador afirma que estimativas feitas nos Estados Unidos mostram que, se a população tivesse aderido à quarentena duas semanas antes do início do bloqueio, o governo teria evitado 54 mil mortes, cerca de 90% do total de casos registrados na semana passada. “É disso que estamos abrindo mão, deixando os casos crescerem de novo”.
Lockdown
Daqui para a frente, a evolução da pandemia vai depender muito das medidas que serão tomadas pelas autoridades, como uma restrição ainda mais severa das atividades e o bloqueio total da circulação de pessoas, o chamado lockdown, já em curso no Maranhão, no Pará e outras capitais. A julgar pela promoção de convescotes palacianos ao invés da apresentação de um programa com medidas de urgência, o Brasil logo colherá os resultados por reivindicar, com tamanho esmero, o posto número um de novo epicentro do Covid-19 no mundo.